quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Refletindo sobre términos amorosos....

Refletindo sobre términos amorosos

Exposição Cuide de Você faz surgir beleza em uma situação de dor

por Alexey Dodsworth

No dia 24 de abril de 2004, a artista plástica francesa Sophie Calle recebeu por e-mail uma carta de rompimento. A mensagem enviada por seu namorado foi bastante prolixa, e poderia ser sintetizada de forma simples: "não quero mais te namorar". Ao longo do texto, o namorado de Sophie fez a ela muitos elogios, e terminou o texto escrevendo um singelo "cuide de você". A expressão em português pode parecer errada, já que o correto seria "cuide-se" mas quando escrevemos "cuide de você", tradução literal do francês "prenez soin de vous", tem-se a impressão que a pessoa nos mandou tomar conta de nossas vidas. Vá cuidar de sua vida! Não é um amor?

Ouvir ou ler este tipo de coisa não é algo fácil para a maioria das pessoas. Dizem que uma das piores dores que se pode sentir é a dor da rejeição."Dizem que uma das piores dores que se pode sentir é a dor da rejeição." Eu acredito nisso, muito embora me pareça que a tal da dor do término muita vezes venha a ser piorada pela parte que sofreu a rejeição. Quando estamos apaixonados, pode ser difícil perceber que a outra pessoa não está mais interessada em nós. É dito que para bom entendedor, meia palavra basta. Mas como a paixão meio que nos emburrece, às vezes precisamos de textos bem explicadinhos. Não adianta simplesmente sumir ou esfriar. Nos términos amorosos, é preciso - e de bom tom - saber se explicar.

Será que existe uma maneira "correta" de terminar um relacionamento? Por um lado, há os que criticam términos feitos por telefone, cartas ou por mensagens eletrônicas. O argumento sempre me pareceu razoável: se namoro com uma pessoa e ela por um tempo foi importante em minha vida, o mínimo que se pode fazer é conversar frente a frente. Mandar um e-mail, como fez o namorado de Sophie, soa algo covarde. Por outro lado, há pessoas que simplesmente não entendem e não aceitam a ruptura e se comportam como loucas, fazem escândalo, ameaçam se atirar do alto da Torre Eiffel num espasmo de suicídio chique e outros comportamentos mais condizentes com um filme tragicômico. Note: chorar é normal, demonstrar tristeza, ou mesmo eventualmente raiva é totalmente normal, mas se portar com selvageria quando diante do "adeus" alheio justifica perfeitamente que algumas pessoas se despeçam por meio de cartas e e-mails, não as culpo. Deste modo, creio que seria perigoso julgar como "covarde" quem termina um relacionamento por carta - sabe-se lá, afinal de contas, com quem esta pessoa namora!

Mas voltemos ao caso de Sophie Calle. Um tanto quanto pasma com o término por e-mail (considere, caro leitor, que Sophie é uma mulher adulta, inteligente e razoável), ela não soube o que responder. A questão é: haveria o que responder? Prolongar a despedida pode ser mais doloroso do que a própria despedida. Sophie então resolveu sublimar sua perda, convertendo-a em arte, sua especialidade. Deu a carta para que 107 seres do sexo feminino (incluindo aí uma macaca e uma papagaia) a lessem e dessem seu parecer particular sobre ela. 107 olhares sobre um mesmo texto. Bem, nem é preciso dizer que a papagaia comeu a carta, e a macaca a utilizou conforme bem entendeu. As outras 105 fêmeas, humanas que eram, deram variados tratamentos à carta de despedida. A maior parte das respostas e reações destas mulheres pode ser vista na exposição "Cuide de Você", aberta ao público no MAM, no Rio de Janeiro, até o dia 21 de fevereiro.

Alguns acharam que a exposição era uma forma sutil de vingança. Da minha parte, vejo diferente: Sophie Calle fez surgir beleza de uma situação de dor. Quantas pessoas são capazes disso? A acusação de vingança cai por terra se considerarmos que Sophie não identificou o nome de seu ex-namorado na exposição (ele mesmo se revelou posteriormente, mas isso é outra história). A obra de Sophie nos apresenta a uma possibilidade e tanto: podemos fazer algo de belo com nossas dores."A obra de Sophie nos apresenta a uma possibilidade e tanto: podemos fazer algo de belo com nossas dores." Nem todo mundo é um artista plástico do calibre de Sophie Calle, mas muitos de nós são perfeitamente capazes de usar os recursos que possuem para fazer uma limonada a partir de alguns limões azedos. No final das contas, vale ter em mente que separações acontecem o tempo todo, e que o mundo não deixa de girar por conta disso...

A carta
Aos curiosos, eis a carta que Sophie Calle recebeu:

Sophie,

Há algum tempo venho querendo lhe escrever e responder ao seu último e-mail. Ao mesmo tempo, me pareceria melhor conversar com você e dizer o que tenho a dizer de viva voz. Mas pelo menos será por escrito.

Como você pôde ver, não tenho estado bem ultimamente. É como se não me reconhecesse na minha própria existência . Uma espécie de angústia terrível, contra a qual não posso fazer grande coisa, senão seguir adiante para tentar superá-la, como sempre fiz. Quando nos conhecemos, você impôs uma condição: não ser a "quarta". Eu mantive o meu compromisso: há meses deixei de ver as "outras", não achando obviamente um meio de vê-las, sem fazer de você uma delas.

Achei que isso bastasse; achei que amar você e o seu amor seriam suficientes para que a angústia que me faz sempre querer buscar outros horizontes e me impede de ser tranquilo e, sem dúvida, de ser simplesmente feliz e "generoso", se aquietasse com o seu contato e na certeza de que o amor que você tem por mim foi o mais benéfico para mim, o mais benéfico que jamais tive, você sabe disso. Achei que a escrita seria um remédio, que meu "desassossego" se dissolveria nela para encontrar você.

Mas não. Estou pior ainda; não tenho condições sequer de lhe explicar o estado em que me encontro. Então, esta semana, comecei a procurar as "outras". E sei bem o que isso significa para mim e em que tipo de ciclo estou entrando. Jamais menti para você e não é agora que vou começar.

Houve uma outra regra que você impôs no início de nossa história: no dia em que deixássemos de ser amantes, seria inconcebível para você me ver novamente. Você sabe que essa imposição me parece desastrosa, injusta (já que você ainda vê B., R.,?) e compreensível (obviamente?); com isso, jamais poderia me tornar seu amigo.

Mas hoje, você pode avaliar a importância da minha decisão, uma vez que estou disposto a me curvar diante da sua vontade, pois deixar de ver você e de falar com você, de apreender o seu olhar sobre as coisas e os seres e a doçura com a qual você me trata são coisas das quais sentirei uma saudade infinita. Aconteça o que acontecer, saiba que nunca deixarei de amar você da maneira que sempre amei desde que nos conhecemos, e esse amor se estenderá em mim e, tenho certeza, jamais morrerá.

Mas hoje, seria a pior das farsas manter uma situação que você sabe tão bem quanto eu ter se tornado irremediável, mesmo com todo o amor que sentimos um pelo outro. E é justamente esse amor que me obriga a ser honesto com você mais uma vez, como última prova do que houve entre nós e que permanecerá único.

Gostaria que as coisas tivessem tomado um rumo diferente.

Cuide de você.

X

Para continuar refletindo sobre o tema

Confira sobre a exposição acessando http://blog.sophiecalle.com.br/

SOBRE O AUTOR
Alexey Dodsworth

Alexey Dodsworth

Astrólogo há mais de vinte anos, graduado em Filosofia e diretor técnico da Central Nacional de Astrologia. Autor das interpretações de Astrologia, Tarot e Runas do Personare. Saiba mais »
contato: alexey-revista@personare.com.br

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